O Senhor da Guerra é uma canção composta por Renato Russo e lançada no álbum Músicas para Acampamentos da banda Legião Urbana, em 1992. Nessa canção Renato Russo faz uma interpretação sobre contextos de guerra. Não se trata de uma música que aborda um conflito específico, mas as guerras de um modo geral.

Faz parte da característica de Renato Russo compor sobre temas que ele lia a respeito e não que, necessariamente, ele vivesse em sua vida particular. Mesmo assim, é importante ressaltar que Renato Russo viveu no contexto de Guerra Fria, que durou até a década de 1990. Durante esse período ocorreram alguns conflitos importantes para a história da humanidade como a Guerra do Golfo e a Guerra do Vietnã. Também fez parte desse contexto o movimento de contracultura, onde existiram muitos protestos e muitos artistas se manifestando contra os conflitos através de sua arte. Todas essas referências, direta ou indiretamente, afetaram o estilo de composição do Renato Russo e de outros artistas brasileiros como Raul Seixas, Belchior, Milton Nascimento, Chico Buarque, entre outros.

Fonte: LegiãoUrbana

Pensando essas perspectivas no post dessa semana nós vamos analisar a canção O Senhor da Guerra.

Existe alguém esperando por você
Que vai comprar a sua juventude
E convencê-lo a vencer

Mais uma guerra sem razão
Já são tantas as crianças
Com armas na mão
Mas explicam novamente que a guerra
Gera empregos, aumenta a produção
Uma guerra sempre avança a tecnologia
Mesmo sendo guerra santa
Quente, morna ou fria

Pra que exportar comida se as armas
Dão mais lucros na exportação?

Existe alguém que está contando com você
Pra lutar em seu lugar já que nessa guerra
Não é ele quem vai morrer

E quando longe de casa
Ferido e com frio
O inimigo você espera
Ele estará com outros velhos
Inventando novos jogos de guerra

Que belíssimas cenas de destruição
Não teremos mais problemas
Com a superpopulação
Veja que uniforme lindo fizemos pra você
E lembre-se sempre que:
Deus está do lado de quem vai vencer

O senhor da guerra não gosta de crianças
O senhor da guerra não gosta de crianças
O senhor da guerra não gosta de crianças
O senhor da guerra não gosta de crianças
O senhor da guerra não gosta de crianças
O senhor da guerra não gosta de crianças

Fonte: LetrasMus

Logo na primeira estrofe Renato Russo deixa claro que quem luta as guerras são os jovens e que fatores econômicos estão intimamente relacionados com os conflitos, não porque os motivam, mas, principalmente, porque a guerra pode ser encarada como um grande mercado e, finalmente, que alguém faz a guerra. Ele diz: “Existe alguém esperando por você/Que vai comprar a sua juventude/ E convencê-lo a vencer”.

Na segunda e terceira estrofe é possível entender melhor esses elementos que ele nos trouxe inicialmente. Primeiramente, ele diz que não há razão para a guerra e esse pode ser um sentimento sempre presente e de difícil compreensão. Por que as pessoas entram em conflitos que chegam a matar milhões de outras pessoas? Parece um pouco ilógico, não é? Sabemos que tais conflitos são destrutivos e levam a vida de milhões de pessoas, mas por que continuamos guerreando?

Fonte: Reddit

Para que haja uma guerra é importante existir uma narrativa que a sustente. Essa narrativa não necessariamente precisa ser lógica, mas é necessário que seja convincente. Os soldados precisam acreditar que existe alguma razão para pegar em armas e morrer por alguma causa. Uma guerra em si não faz sentido, mas a sua lógica é construída a partir de uma narrativa, e, em geral, essa narrativa sempre envolve fatores econômicos, fronteiriços, nacionais, identitários e políticos.

Contudo, como mencionei anteriormente, Renato Russo entende que a guerra funciona como um mercado rentável, existe uma disputa econômica sobre a guerra, ela movimenta o mercado de armas e pode provocar o enriquecimento de determinadas nações que possam lucrar de alguma maneira com determinado conflito. Também gera empregos e desenvolvimento tecnológico, o que foi particularmente assistido durante a Primeira e Segunda Guerra Mundial com a invenção da bomba atômica, armas cada vez mais eficazes em seu propósito de matar e tecnologia comunicacional.

Ele diz na segunda e terceira estrofes: “Mais uma guerra sem razão/E já são tantas as crianças com arma na mão/Mas explicam novamente que a guerra gera empregos/E aumenta a produção”; “Uma guerra sempre avança a tecnologia/ Mesmo sendo guerra santa, quente, morna ou fria/Pra que exportar comida/ Se as armas dão mais lucros na exportação?“.

No refrão ele diz: “Existe alguém que está contando com você/Pra lutar em seu lugar/Já que nessa guerra /Não é ele quem vai morrer. E quando longe de casa, ferido e com frio/ O inimigo você espera/ Ele estará com outros velhos/Inventando novos jogos de guerra”. Neste trecho, ele explica que uma guerra é sempre feita por alguém que não vai morrer lutando nela, isto é, as pessoas (políticos) que governam e que detém o poder de decisão sobre uma guerra.

O conflito geracional que Renato apresenta pode ser interpretado de duas maneiras. Primeiro, em relação à idade, ou seja, pessoas jovens são convocadas para lutar enquanto pessoas mais velhas assistem ou decidem sobre o conflito. Segundo, em relação a História, ou seja, uma guerra seria sempre um conflito não resolvido do passado. Neste caso “os velhos” a que ele se refere pode ser o próprio tempo passado, já que o passado também pode ser uma narrativa. Nesse sentido, sempre que um conflito se encerra, as novas ou as mesmas pessoas que governam começam a criar novas narrativas sobre o ocorrido (ou seja, o passado), deixando brechas e situações não resolvidas para que um novo conflito se inicie.

Nas estrofes finais esse elemento temporal e geracional fica ainda mais evidente. Ele diz: “Que belíssimas cenas de destruição/Não teremos mais problemas/Com a superpopulação//Veja que uniforme lindo fizemos pra você/E lembre-se sempre/Que Deus está do lado de quem vai vencer. O senhor da guerra/Não gosta de crianças/O senhor da guerra/Não gosta de crianças (…)”. Aqui dois fatores são muito importantes:  primeiramente a propaganda de guerra, recurso extremamente utilizado nesses contextos para incentivar os jovens soldados a lutarem. Tais propagandas também ajudam a construir uma narrativa sobre a guerra, especialmente sobre a perspectiva de quem seriam “os vilões” e quem seriam “os mocinhos”, quando, na realidade uma guerra será sempre uma guerra (mesmo sendo guerra santa, quente, morna ou fria). Isto é, sem um ponto positivo ou sem qualquer sentido racional que a justifique. Além disso, o apelo religioso em casos de guerra traz a conotação de merecimento ou “povo escolhido”, como se houvesse alguma compensação espiritual ou aprovação divina que justificasse e amenizasse o peso da destruição em casos de conflitos.

Fonte: G1

Em segundo lugar e para finalizar a nossa análise, Renato Russo quer nos dizer que a guerra não gosta do futuro e é por isso que O Senhor da Guerra não gosta de crianças. As crianças simbolizam o futuro, uma espécie de continuidade, de vida, esperança, pureza e inocência. Por sua vez,  a guerra é só destruição e caos, incompatível com a pureza infantil e com o futuro. Renato seguirá, até o fim da canção, enfatizando que o que o senhor da guerra não gosta de crianças.

Professora Laiza Campos

Laiza é professora de História, Sociologia, Geografia e Atualidades na Nautae. É mestra em História Pública (UNESPAR), com bacharel e licenciatura em História pela mesma instituição. Também possui experiência como pesquisadora e produtora audiovisual.

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