No dia 14 de outubro de 2021 estreou nos cinemas o filme “O Último Duelo”, estrelado por Jodie Comer, Adam Driver e Matt Damon nos papéis principais. O longa foi dirigido por Ridley Scott baseando-se no livro “O Último Duelo”, de 2004, escrito pelo medievalista Eric Jager que se debruça sobre o caso real do último duelo medieval de que se tem registro na França, em 1386.

Na trama, o nobre Jean de Carrouges e o escudeiro Jacques Le Gris duelam após Marguerite, a esposa de Carrouges, acusar Le Gris de tê-la estuprado e o Rei conceder o apelo de Carrouges por um julgamento por combate. Todo o desenvolvimento do filme se passa durante a Guerra dos 100 anos, no século XIV. No livro, Eric Jager se aprofunda em aspectos históricos, culturais e tradicionais do período, abordando nuances e contextos históricas que não são abordadas no filme.

Fonte: Portal Cm

Para quem não está familiarizado com o tema, os duelos foram, durante quase todo o período medieval, muito utilizados para a resolução de conflitos. Certamente, este duelo entre Le Gris e Carrouges não foi o último na França, a prática continuou informalmente pelo menos até 1960. Mas, este foi o último duelo autorizado pelo Rei como forma de resolução de um conflito de que se tem registro.

Outro aspecto importante a ser ressaltado é o fato de o duelo ter ocorrido por conta de uma denúncia de estupro. Durante o período Medieval (e até algum tempo depois) a estrutura patriarcal predominante não considerava o estupro um crime contra as mulheres e sim contra a honra dos maridos. Marguerite, durante todo o processo sofreu imensamente com o descrédito sobre seu testemunho. Além disso, ela foi silenciada posteriormente por historiadores que, ao se depararem com este processo, ignoravam ou pouco evidenciavam o seu relato, focando muitas vezes apenas na relação de amizade entre Le Gris e Carrouges e, outras vezes, tentando fazer crer que Le Gris não era culpado.

Marguerite
Fonte: Burnbook

Certamente, estes diferentes olhares sobre este acontecimento histórico nos suscitam muitas questões importantes. Pensando especificamente na adaptação cinematográfica, é muito oportuno que este tema seja trazido nas telonas e inspire reflexões. Afinal, tempos históricos mais antigos ainda impactam questões sociais, culturais e políticas muito recentes.

Um dos aspectos que vale destacar sobre o filme é que, assim como no livro, lidamos com as diferentes versões e visões do fato a partir dos sujeitos/personagens. Certamente, isso é comum ao direito, quando um juiz precisa avaliar um processo-crime, mas, talvez, vocês não saibam que também é comum à um historiador (o que nos aproxima da disciplina do Direito).

Vou explicar melhor isso: quando um historiador está diante de algum acontecimento do passado, basicamente, ele precisa lidar com as diferentes versões desse acontecimento.  Primeiro porque não somos testemunhas oculares do passado, o que podemos alcançar é o que outros testemunharam e, do que essas pessoas testemunharam temos acesso apenas ao que foi registrado (seja pela tradição oral ou pelos documentos). Isto é, nosso trabalho também se assemelha ao de um detetive ou de um juiz que tenta compreender ao máximo o que se passou a partir das evidências que se dispõe. Quando novas evidências aparecem, esse acontecimento pode mudar.

No caso do último Duelo, em uma entrevista de Eric Jager ao “O Globo” – que eu inclusive recomendo a leitura –, o historiador menciona o fato de que quando cruzou com esse processo crime e com as interpretações que outros historiadores tiveram sobre o caso, notou o descrédito sobre a versão de Marguerite que eu mencionei a pouco. A partir do momento que Jager escreve o último Duelo, relendo esse acontecimento histórico levando em conta o testemunho de Marguerite e também a compreensão histórica que temos hoje sobre aspectos como relações de gênero, a ideia que se tem sobre este último duelo muda. A versão cinematográfica também é uma maneira de lançar um novo olhar para este acontecimento.

Agora, eu quero saber o que você achou desse filme? Quais debates sociais, culturais e históricos esse filme pode trazer para nós? 

Fontes:

ESTUPRO NO SÉCULO 14: A HISTÓRIA REAL POR TRÁS DO FILME ‘O ÚLTIMO DUELO’

‘O último duelo’: livro que inspirou filme de Ridley Scott explica julgamento medieval por combate até a morte

Professora Laiza Campos

Laiza é professora de História, Sociologia, Geografia e Atualidades na Nautae. É mestra em História Pública (UNESPAR), com bacharel e licenciatura em História pela mesma instituição. Também possui experiência como pesquisadora e produtora audiovisual.

Confira o documentário Benedita & Manoel e muitos outros conteúdos no canal Bom de História, criado pela nossa professora em parceria com Brandon Figueiredo.

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